segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

sobre a vida

Outro dia vasculhando algumas gavetas me deparei com um jornal antigo, do mes julho acho, vi uma reportagem que trazia uma foto, e me assustei pois era a notícia de um crime, e na foto reconheci meu professor de faculdade, de uns três anos atrás. Ali dizia que ele havia sido assassinado, por tentar acabar com tráfico de drogas na escola onde era diretor.

Eu nunca fui de ficar muito próxima de meus professores, as relações professor-aluno sempre foram baseada em respeito, e em alguns casos admiração. O primeiro sentimento porque tive uma educação tradicional e o segundo porque sempre há alguns mestres que vão além do ato de ensinar, que fazem diferença em nossas vidas, em muitos casos sem se darem conta disso. Nesse caso foi assim. Por causa de minha timidez talvez ele nunca soube, que foi um desses que me fez mudar, perceber coisas que eu nunca havia imaginado, pensar diferente sobre o mundo. Não apenas pelo conhecimento da sua matéria, mas pela forma como se apresentou à turma, seus pensamentos e atitudes, sua maneira de viver, por que eu o via como alguém que vivia o que acreditava, alguém com ideais e com atitude e isso é raro.

No primeiro dia de aula nos deu um texto, uma folha onde vinha uma foto sua no canto superior esquerdo da folha e a imagem de um barco no canto superior direito, com a frase: Navegante da vida. Abaixo em prosa ele falava de si, disse querer fugir ao currículo tradicional. No texto falou de suas origens, dos seus ideais, da sua profissão, citou Fernando Pessoa e outro poeta que não conhecia, falou da sua amada Rita(eu achei a coisa mais bonita o jeito que descreveu sua Rita, como uma musa digna do poeta que ele certamente também foi) e de seus filhos. Um texto tão bonito, que eu guardei até hoje, como tantos outros que nos levou para ler e refletir, e resgatei empoeirado para reler depois de ver a tragédia no jornal.

Fiquei pensando, nessas coisas que não conseguimos acreditar, nessas pessoas que achamos que não vão embora. Apesar de não ser próxima eu fiquei bastante sensibilizada; sei que acontecem coisas tão tristes e indignantes, coisas piores. Mas cada um de nós é quem dá essa medida pra tudo que acontece à nossa volta, a partir de tudo aquilo que nos constitui, e como em mim há algo daquele mestre, uma admiração pela vida, uma alegria de viver e um jeito diferente de perceber o mundo que ele com certeza deixou em todos nós alunos seus, naqueles dias.

Um dia escreveu no quadro:

Como sei pouco, e sou pouco,faço o pouco que me cabe me dando inteiro.

Anotei e mais tarde descobri que era de Thiago de Mello:

Para os que virão

Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente para não enganar a ninguém: principalmente aos que sofrem na própria vida, a garra da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido no meu bolso de palavras. Sou simplesmente um homem para quem já a primeira e desolada pessoado singular - foi deixando, devagar, sofridamente de ser, para transformar-se - muito mais sofridamente - na primeira e profunda pessoa do plural.

Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo, mesmo que longe ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar.

É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. Se trata de ir ao encontro. ( Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros. ) Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando

Thiago de Mello

Se eu só mostrasse esse poema, que certamente era um de seus preferidos, quem lêsse, já teria uma idéia do grande homem que foi meu professor.

Um comentário:

Thiago disse...

você, seu professor e Thiago de Mello são as palavras que meus olhos gostam de ver e tem o significado que minha mente gosta de entender.
ah, e é claro, que o coração gosta de sentir! um texto com mistos de tristeza e motivação. mas é quase sempre assim. as situações difíceis revelam a nossa significância diante de tudo.
bjobjo!