quinta-feira, 29 de maio de 2008

INCAPAZ

O mundo todo hoje, e não sei se desde que ele é mundo, valoriza a capacidade das pessoas, seja ela de qual tipo for, intelectual, esportiva, artística, física, qualquer tipo, e ao contrário abomina a falta de capacidade também de qualquer espécie, e eu como sou deste mundo, faço a mesma coisa, especialmente em relação a minha própria incapacidade.

Não há nada mais humilhante do que se sentir incapaz, por que uma coisa é considerar alguém, assim; outra é o próprio alguém se sentir assim. Faz toda a diferença. Eu posso ser julgada alguém sem talento algum pra escrever, e isso não me intimidar e continuar escrevendo meus textos como se ninguém jamais na face da terra houvesse ao menos pensado algo desse tipo; ou eu posso acreditar nisso, ou pior eu posso pensar isso por mim mesma, ter algum tipo de "semancol" e me sentir totalmente fracassada nesse aspecto, certamente eu sucumbiria ao meu próprio julgamento e jamais voltaria a escrever um bilhete que fosse.

Lembrei de minhas aulas da faculdade, a disciplina nem sei qual é (psicologia ou alguma parecida), mas lembro direitinho da professora nos contando suas experiências como assistente social, uma discussão acirrada se instalou sobre o porquê dos moradores de rua, muitas vezes, mesmo tendo oportunidade não voltam a "inserirem-se na sociedade".

Eu nunca havia pensado no que ela falou naquele dia, mesmo sendo algo óbvio: uma pessoa que vive uma sucessão de fracassos, que por mais que se esforce não consegue alcançar certos padrões considerados aceitáveis, não possui características ou outros requisitos que a "qualifiquem" para fazer parte de um grupo, seja lá qual seja; vai tendo sua auto-estima minada, a ponto de não ter mais forças para tentar de novo, não suporta mais nenhum tipo de frustração, de decepção, de falha.

Não pode simplesmente sair do que se torna uma zona de conforto, quando se estar no fundo do poço e não acredita que possa sair de lá, não acredita que tenham expectativas a seu respeito, não precisa provar nada pra ninguém, pode ser um tipo de alívio, de refúgio.

É claro que essas não foram literalmente as palavras da mestra, e nem essa é a única explicação ou situação possível nesses casos, nem mesmo quero dizer que morar na rua seja uma forma indigna ou humilhante de viver, há toda uma complexidade em torno da questão que esse texto não consegue e nem pretende contemplar. Mas me sentir incapaz de lidar com um simples sentimentozinho meu, hoje, me fez lembrar desse dia, quando eu percebi que a alma humana é muito mais inescrutável e surpreendente do que qualquer coisa.

Nós podemos limitar e tentar enquadrar as pessoas e suas formas de se relacionarem com o mundo a sua volta dentro de alguma explicação preconceituosa e mesquinha, julgar com base na nossa própria mediocridade, ou podemos tentar enxergar, perceber as ilimitadas possibilidades de ser e de estar, de viver, sem ter por parâmetros apenas a capacidade ou a falta dela.

Talvez o texto pareça confuso, entretanto, eu quis dizer isso mesmo, eu entendo exatamente o que quero dizer aqui. E não escrevi porque em algum momento da minha vida, eu tenha experimentado tal sentimento de inferioridade, talvez essa não seja a palavra, mas esse sentimento que paralisa o ser humano e o impede de tentar, de acreditar em si mesmo, de enfrentar as diversas ou adversas situações da vida, mesmo experimentando o erro, a perda, o fracasso. Embora tenha certamente vivenciado outros de maio ou menor intensidade, até semelhantes àquele, eu só espero nunca desistir de nada, nunca desacreditar em mim.


"Tudo posso naquEle que me fortalece"
Bíblia Sagrada

terça-feira, 27 de maio de 2008

Um blog sobre o nada

Hoje enquanto esperava meu bus, pensei em escrever um post sobre o nada, é que lembrei de uma das minhas séries favoritas Seinfeld. Se tem uma série que gostaria de ter todas as temporadas é esta, as outras todas também é claro. Outro dia li que era a melhor série sobre o nada.

Eu queria escrever sobre o meu dia, que não teve nada de interessante, com uma dose de humor, mas sou muito metódica, sei lá, tenho que explicar as coisas antes de fazer, então o post sobre o nada fica pra depois desse, pra quem lê do atual pro antigo será o próximo; pra quem lê do inicio, já leu, era o anterior.

ei que a intenção de escrever/falar sobre o dia a dia com doses de ironia, egoísmo e humor, tal qual em Seinfeld soa bem pretensioso, mas a idéia é não ter compromisso algum com algo importante, é tentar ser mais leve, despreocupada e desencanada (acho que já perceberam que isso me custa muito), mas se o meu blog um dia vier a ser considerado “o melhor blog sobre o nada”, vou adorar (sonhar eu posso). Pensei até em mudar o nome : Um blog sobre o nada ou meu próprio nome; mas o atual também remete a algo muito subjetivo tanto quanto meu próprio nome, e gosto das primeiras idéias, como disse antes.

Segue um resumo ou refresco para memória, abaixo (queria compartilhar exatamente essas palavras).
Eu, Ana.


Resumo:
“A melhor série sobre o nada é provavelmente a definição mais correta de Seinfeld. O seriado é composto por quatro personagens principais que discutem e analisam os fatos mais corriqueiros do dia a dia com boas doses de ironia, humor e egoísmo. Relacionamentos amorosos, problemas no trabalho e os mais fúteis assuntos são observadas sob as perspectivas de Jerry Seinfeld, um comediante em tempo integral, Elaine Banes, a maliciosa ex-namorada de Jerry, Cosmo Kramer, o excêntrico vizinho do humorista e George Constanza, o amigo azarado e neurótico de Jerry.

Considerada a sitcom mais influente da década, SEINFELD apresentava quatro amigos individualistas, imorais, inseguros e mentirosos, que conquistaram o público justamente por seus defeitos, que lhe conferiam certa veracidade.”

In: http://minhaserie.com.br/serie/Seinfeld/resumo.asp (acesso em 27/05/2008)

Post sobre o nada

Hoje foi um dia incomum, digo isso por que normalmente temos uma rotina, e hoje eu fiz algumas mudanças insignificantes, mas que espero tenha um efeito imensurável, digo isso porque gosto de pensar que a historinha do vento produzido pelo bater de asas de uma borboleta nesse continente causa um furacão (ta bom, chega de catástrofes ambientais), uma ventania no Japão, faça sentido. Sei que não tem nada a ver uma coisa com outra, mas lembrei também da tragédia ocorrida há algum tempo, quando um jovem pai resolveu mudar o caminho que fazia todos os dias, deixando os filhos antes de chegar ao trabalho, simplesmente esqueceu um bebê dentro do carro até o fim do seu dia de trabalho; não lembrei de nenhum exemplo positivo que ilustrasse o quão surpreendente é qualquer mudança de atitude nossa, mesmo nas pequenas tarefas do cotidiano, assim espero que as medíocres alterações no meu dia hoje tragam imensas e maravilhosas mudanças in my life...


Situação 1:

Passo ao lado do Girrafa’s, não resisto, resolvo comprar um mik-shake, peço um de sabor ovo maltine, e fique claro que os oito ou sete atendentes do lado de dentro do balcão, tinham apenas uma cliente pra atender: eu, porque os outros quatro estavam devidamente atendidos, entretidos com suas guloseimas, entretanto depois de pagar e aguardar ansiosa pelo meu milk tive que esperar...esperar... esperar...penso que foram uns trinta minutos (adoro hipérboles) eu olhava e não entendia o porquê da demora, várias pessoas zanzando pra lá e pra cá sem fazerem nada tão urgente o quanto era me atender, mas não estavam nem aí, eu perplexa e já um tanto incomodada, até ai tudo normal, a mudança foi que numa situação dessas eu perguntaria (em tom insatisfeito) se iria demorar muito (eu não partiria pra ignorância, peace and love), mas eu não fiz, comecei a pensar que não me aborreceria por tão pouco, recebi o milk, disse: não há de quê ao obrigada da atendente e fui feliz da vida tomando meu milk shake de morango.

Situação 2:

Ainda tomando o milk, entro na lojinha onde iria pegar umas roupas que deixei pra costureira ajustar, encontro a moça atendendo duas mulheres, me posiciono estrategicamente deixando visível que aguardaria minha vez, quando a moça vinha se aproximando para me atender, entra abruptamente uma outra mulher, joga as sacolas em cima do balcão e a notinha também e faz que já vai pegar o dinheiro como se fosse a próxima a ser atendida, totalmente indiferente a ordem de atendimento e a minha pessoa, o pior. Foi quando felizmente a moça riu amarelo e explicou que me atenderia porque eu chegara antes, ela se afastando um pouco, como se saísse do centro do palco, também riu amarelo em minha direção, eu tentei retribuir o sorriso, não sei se saiu, até ai tudo normal, eu não costumo mesmo manifestar minha insatisfação diante de indelicadezas desse tipo mas, a mudança foi em como não deixei isso afetar o meu humor, continuei serena, paguei, recebi, agradeci, fui embora sem nenhum mal-estar...

Situação 3:

Terminando de tomar meu milk, tentando capturar os quase invisíveis pedacinhos de morango do fundo do copo, esperando a lotação (essas são a exceção), deixo passar a primeira que considerei lotada, a próxima estaria mais vazia presumi....
Não, não houve transformação nessa situação, eu não consegui não me aborrecer com a demora, diferente de outras situações, a demora de um bus ou qualquer outro meio de transporte que eu tenha que pegar pra voltar pra casa, me causa um verdadeiro abalo emocional, do desespero à vontade de chorar.... então essa situação não conta.

Bom analisando as situações, talvez você diga que eu apenas engoli uns sapinhos, ou que eu me incomodei sim com elas, mas o fato é que hoje ( e sempre, por essas bandas aqui),o que conta é a minha versão, e eu digo estou aprendendo a sublimar....

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Juscelino* (parte I)

Quero falar hoje de alguém muito especial, uma pessoa rara, e não é Juscelino Kubitschek, trata-se de nosso pedreiro, na verdade é mais que isso, já é um velho conhecido.
Ele é daquelas pessoas que você não se cansa de ouvir, o menor causo, o menor fato contado, tem ares de um épico dos mais apaixonantes. É verdade que sempre tive uma queda por esse tipo de gente, com esse dom de prender a gente pelo jeito de falar, parece que tudo fica interessante quando sai da boca delas, quando era pequena me deliciava ouvindo as histórias de três amigas da minha avó (um dia contarei delas); pois sim voltando ao nosso Juscelino, dia desses após o almoço, naquele momento de prosa preguiçosa e descompromissada, ouço nosso herói dizer:
_Ah! Que tristeza nos olhos...
Que expressão poética, bonita, pensei eu... Aguardando uma história daquelas... Qual não foi minha surpresa, quando descobri, que isso significava apenas, vontade de dormir, Juscelino estava apenas sendo vítima do poderoso soninho pós-rango.



*nome fictício

quarta-feira, 21 de maio de 2008

deu branco

Tá certo que a inspiração não é o meu forte, que escrever também não, mas fui acometida pela falta de inspiração pra postar, textos mesmo, porque não estou conseguindo postar imagens ou algo do tipo, problemas com a “interneta”. Nada me ocorre nesse momento, minto; vez ou outra me vêm à mente algum tema triste e desenxabido que me recuso a aceitar, nem um versinho, nem um de meus poemas sem nenhuma técnica, nada, nada... Mas eu não sou de entregar os pontos, eis - me aqui firme e forte enchendo lingüiça... tá frio hoje né?

terça-feira, 20 de maio de 2008

Síndrome de Helena


Há um texto de Ana Maria Machado que gosto muito, na verdade descobri tentando encontrar na internet, que se trata de um livro (literatura infanto-juvenil creio) chamado: Bem do seu tamanho. Eu só conheço um trecho, que fala das contradições que a menina Helena vê na fala dos pais, é pequena pra algumas coisas e grande demais pra outras. Helena não sabe qual o seu tamanho...hoje eu também não sei.


imagem:http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp%20Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=210914&ST=SE

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Happiness

Para dar uma pausa no clima deprê dos últimos textos, resolvi contar sobre um dos dias coloridos. Acho que foi a limpeza dos olhos...hoje tudo estava tão claro, cheio de cores, as pessoas me pareciam felizes, as ruas me pareciam mais limpas, o céu mais azul, o dia mais quente, a alma mais leve...
Estive satisfeita comigo mesma, com minhas escolhas, me perdoei por alguns erros e me senti mais generosa com as pessoas.
Minha casa estava muito mais acolhedora e meu humor maravilhoso. Sorri ao lembrar de algumas coisas e o futuro se mostrou bastante esperançoso.
Nada parecia dar errado e tudo conspirou a favor, para que as coisas se concretizassem harmoniosamente.
Não me preocupei em entender ou ser compreendida, apenas senti, apenas fiz, apenas vivi...e isso bastou.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Idiossincrasias

Na verdade pensei em escrever hoje uma historinha de um filósofo meio supersticioso, uma das peripécias infantis de um dos sobrinhos, queria até escrever um verdadeiro tratado de psicologia humana, uma crítica literária muito louvável; mas enfim me falta talento para os últimos e minha autocrítica censurou os primeiros, resolvi então falar de algumas manias que temos e normalmente não fazem sentido algum, e como esse blog tem um objetivo quase terapêutico para mim, como eu já disse antes. Talvez seja bom falar sobre essas estranhezas, talvez não seja, mas mesmo assim comentarei e ainda tentarei entendê-las (quem sabe um dia); eu arrisco:
Eu faço lista de coisas, listas que nunca termino: de livros que já li, filmes que quero assistir e coisas do gênero, penso que faço isso por alguma mania de organização o que seria estranho, pois minha desorganização me impede de continuá-las, penso que me ajudará a cumprir algumas das coisas que desejo fazer, por exemplo lê mais, o que também é contraditório pois sempre me deprime o tamanho da lista, e novamente deixo pra lá, sem adquirir ou começar a me debruçar sobre um novo exemplar, sem procurar o filme ou o cd que queria ouvir...e continuo criando listas: blogs que quero visitar sempre, coisas que devo (ou deveria) fazer no dia seguinte, contas do mês e por aí vai...
Eu rôo minhas unhas, (atualmente não faço mais, entretanto sempre tenho recaídas). Bom sobre isso, dizem que é ansiedade, talvez, mas não gosto de minhas unhas grandes, acho mais bonitas curtinhas, roídas assim, e também aprecio bastante mantê-las assim assistindo um filminho na TV, e não se preocupem, na medida do possível, eu lavo as mãos e as unhas.
Eu falo sorrindo, até pouco tempo não me dava conta dessa mania, até uma colega de faculdade me dizer sem dó nem piedade que nunca sabia se eu estava sendo sincera ou ironizando porque sempre ria ao falar, tento me policiar agora para evitar mal entendidos, mas já me flagrei diversas vezes nessa situação embaraçosa, mas calma...ainda não cheguei ao ponto de gargalhar em velórios, ou sorrir da desgraça alheia, não sou insensível e sem noção (só as vezes).
Eu geralmente não reviso os textos que escrevo aqui, na verdade não gosto de fazer isso com nenhum, gosto de pensar que a idéia inical será mantida, mas estou percebendo que os erros inicias também são mantidos, assim comecei a revisar de vez em quando e por outros motivos que eu sei serem muito mais razoáveis que minha desculpa preguiçosa, espero para o bem de todos, que adquira esse hábito saudável.
Acho que é só... não que me faltem mais dessas características, mas meu bom senso acaba de me informar que finalizará o texto.

Porque todo dia não é cinza...

A arte de ser feliz
Cecília Meireles

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Divagando

Estive pensando, não na fúria louca com que os homens se lançam à busca do dinheiro, estive pensando, em coisas assim sem sentido.

Eu sempre quis saber tudo das pessoas, não o que elas fazem ou deixam de fazer, mas o que elas pensam ao tomar determinadas atitudes, mania de querer explicação pra tudo, não sei se é por que sempre me encantei com o mistério das coisas e do mundo, sempre imaginei que as coisas acontecem por certa magia; achava que os trocados que sempre existiam no bolso da bermuda que meu pai deixava pendurada dum lado da cama, era algo assim; porque eu sabia que todo o seu trabalho era transformado em tudo que precisávamos da comida ao lápis, e não sobrava muito pra outras coisas, mas quando eu achava que nem adiantava pedir daquela vez, eu ia antes verificar se havia acontecido algo inexplicável e os trocadinhos estavam lá. Eu não queria perguntar de onde vinha o dinheiro tinha medo de saber que haviam vendido alguma coisa ou outra resposta lógica, porque isso não seria um encanto, seria comum e um dia poderia dar errado, poderia faltar...eu preferia a esperança e as possibilidades do desconhecido.

Desde menina sempre tive essa mania de pensar nisso, que era algo parecido com a sorte, mas que não era sorte, pois esta envolve mais incerteza e probabilidade do que esperança.

Acreditei que vi um anjo aos sete anos; num dia em que perdi um dos meus chinelos dentro da lama; depois de sujar as duas mãos procurando e já um tanto aflita apareceu alguém com uma lanterna e me ajudou, e eu que conhecia todo mundo de onde morava não reconheci a voz e nem pude enxergar o rosto da pessoa, eu sempre preferi acreditar no inacreditável, e continuei pensando assim até depois de certo tempo. Mas ultimamente venho descobrindo que estou deixando de perceber as coisas desse jeito mais encantador, estou descobrindo que seria melhor não saber o que as pessoas estavam pensando, num certo momento, pois começo a enxergá-las sem aquele mistério, sem o pedacinho onde a não-explicação abre espaço pra imaginação; percebi que na maioria das vezes onde o silêncio curioso foi substituído pelos porquês, também veio junto um pedacinho de decepção, descubro que as pessoas são tão humanas e reais quanto eu, e isso traz a certeza da limitação, da normalidade (ou anormalidade, em alguns casos), do determinismo.

Não estou dizendo que tudo que é humano é falho e imperfeito, mas que quando já não se é mais criança e deixamos esse jeito único de perceber o mundo, perdemos um pouco da capacidade de nos encantar, de enxergar novas possibilidades, de esperar algo surpreendentemente especial das situações mais adversas; de fantasiar mesmo, por que às vezes isso é muito necessário.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Menos de mim e mais de um mestre

Trechos do poema PASSAGEM DAS HORAS de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero
(...)
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo
(...)
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
(No mesmo abraço comovido)
O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas —
Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.
(...)
Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.
(...)
Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.
(...)"


Não é simplesmente perfeito?

In http://www.revista.agulha.nom.br/facam07.html

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Lavando os olhos...

Hoje eu só consigo chorar, não encontro motivos plausíveis, que justifiquem e choro mais, me envergonho por não gastar lágrimas por razões dignas, não perdi nenhuma pessoa querida, não fui vítima da violência, não estou na miséria, não estou doente, não estou numa situação difícil e, ainda sim continuo chorando; entristece-me muito não buscar alternativas, acho inadmissível sucumbir à melancolia gratuita e isso aumenta o pranto; sinto raiva da auto-piedade que quer encostar-se a mim e, mais lágrimas... E agora? se me perguntarem algo? Acho que vou dizer que estou limpando os olhos, sempre ouvia isso de adultos levemente arrependidos de terem feito criança chorar, tentando ser indiferentes, mas aparentemente culpados, se saíam com: “Deixa... chorar faz bem pros olhos”.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Mal-humor

Geralmente evito pegar o transporte alternativo (vans, lotação e afins) porque sempre tenho experiências negativas quando desobedeço a essa minha norma, o que culminou certa vez no único (espero que assim seja) assalto que presenciei, entre outros aborrecimentos. E eu como boa cristã que sou, evito situações  que diminuam minha fé nas pessoas. Porém quando horas de espera na parada, fome e cansaço se unem, a tendência é não usar o bom senso; assim peguei a primeira lotação que vejo na frente. Apesar de ter que subir no carro quase em movimento e sob gritos do cobrador que exige que eu seja rápida, eu ainda permaneço zen, me apegando a idéia de chegar logo em casa; assim tento desviar minha atenção dos inevitáveis transtornos de se “andar de van”. Então surpreendentemente, escuto:
_ Você se importa se eu acender um cigarro?
_Hã... Falou comigo?!
_Sim, se importa se eu acender um cigarro?
Eu devia ter respondido simplesmente: não. Poderia ter chegado em casa com o pulmão cheio de fumaça, mas ainda sim zen. Mas...
_Não, se não deixar a fumaça vir pra cá... Não quero ser fumante passiva. (Disse em tom amigável, com um quase sorriso, praticamente um: Claro que não, fume à vontade e dê baforadas na minha cara).
Foi então que eu desconfiei que me arrependeria de novo de não ter esperado o bus, e de não ter ficado calada. O sujeito, que era o motorista, ficou instantaneamente carrancudo, e em tom agressivo dizia que esse negócio de fumante passivo era “conversa pra boi dormir”, e nessa hora tive a certeza que ele queria mesmo era me xingar, mas continuou fazendo mil comparações cretinas pra provar que o que eu havia dito era uma grande idiotice, ou sei lá o que. Eu claro, não argumentei nada, porque nem sei se é verdade mesmo, e vi que não adiantaria tentar o diálogo.
Então me agarrando a esperança de que faltava pouco até o ponto onde eu iria descer, tentando ser tolerante; (possivelmente o brucutu estava tendo uma crise de abstinência ou mal-humor, o que ainda assim não lhe daria o direito de ser tão grosso) fui novamente surpreendida, tivemos que voltar a um posto de gasolina, onde o cobrador esquecera o celular, porém a essa hora ele já havia percebido que eu não me manifestaria mais, e se manteve silencioso, embora aborrecido (com cara de ofendido-furioso, pode?) e sem acender o bendito cigarro. Assim com minha fé no ser humano, visivelmente abalada, ainda cansada, com fome... Cheguei sã e salva (mas com leves escoriações) de mais uma viagem no transporte alternativo, e com uma promessa: não ir contra minha intuição, pelo menos nessa questão.


*Esse texto é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade, é só coincidência.

Pagando a Língua

Quem nunca ouviu essa expressão? Quem nunca disse ou pensou, ou escutou? Se você não; então não entende o bom nordestinês. Essa expressão para quem diz tem um sabor de “revanche”, para quem pensa de “revide interior”, para quem escutou (deveria haver) no mínimo vergonha, arrependimento. Porém, normalmente quem ouve nunca se dá conta que está sendo vítima das próprias palavras ou digamos assim, recebendo uma lição, para pelo menos deixar a vida dos outros em paz.
Por que pra essas pessoas, pra nós, é fácil ter na ponta da língua sempre uma farpa para soltar, sempre um julgamento a fazer, sempre uma crítica bem formulada, sempre uma lição de moral; mas ahh... Meus amigos, eis que a vida, essa roda que gira sem percebemos, nos coloca no exato lugar daqueles a quem dirigíamos nossas palavras “amorosas”, nossos pensamentos mais “fraternos e compreensivos”.
E passamos a vivenciar tudo que era alvo de nossos ataques hostis, cada sentimento de impotência que os imobilizava, cada fraqueza que os fazia repetir o mesmo erro, cada dependência infeliz que os fazia sentir-se atrelados a certo sofrimento. E ainda assim depois de pagarmos nossa própria língua, não aprendemos nada; continuamos insensíveis às batalhas alheias travadas contra a própria humanidade, iludidos de que essa batalha não é a mesma que também travamos.
Devíamos ser mais tolerantes e atentos e talvez aprendêssemos algumas estratégias, algumas táticas para o combate. Como diz a música: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, precisamos agora é saber a dor e delícia de ser o outro.