domingo, 29 de março de 2009

Amor de pai

Ontem foi aniversário do meu pai, sessenta e dois anos. Eu esqueci como sempre, mas minha irmã sempre tem o cuidado de me ligar e lembrar para eu também poder desejar a ele tudo de bom. Falar do meu pai e da admiração e amor que sinto, é difícil, pois foi um amor construído com silêncios, e poucos gestos de carinho. Porque assim como foi educado ele aprendeu a educar os filhos, exigindo sempre muito respeito e cerimônia. E depois que nós tínhamos uma certa idade, mantinha uma certa distância aconselhável, como mandava as tradições da época. Dos poucos momentos de carinho que ele nos dedicou, lembro-me das vezes que chegava da lida (meu pai trabalhava na roça) e depois do seu banho tomado, sentava-se na cadeira de encosto e estendia as pernas sobre um banquinho; era nessa hora que disputávamos o colo dele, e quem conseguia ficava estirado sobre as pernas de papai um bom tempo, não precisava mais que isso. Esse era um dos momentos mais felizes, não só de minha infãncia, mas acredito que de meus quatro irmãos.
Mesmo com esse jeito de se relacionar conosco nunca tive dúvidas quanto ao amor de meu pai por mim e por meus irmãos, ao contrário, sempre tive certeza. Mas mesmo assim certa vez ouvi meu pai fazer elogios sobre mim a um amigo, dizia que era inteligente e contava histórias minhas da escola. Eu fiquei tão surpresa quanto feliz, ver meu pai ali, todo orgulhoso de mim foi mais do que a confirmação do que ele sentia, do seu amor.
Ultimamente alguns acontecimentos nos levaram a demonstrar mais nossos sentimentos, acho que é natural quando percebemos que o tempo vai passando e a gente não fez algumas coisas, não disse; o medo de que seja tarde demais nos invade.
Talvez restem coisas a serem ditas, mesmo assim, não diminuem esse amor que sinto e que tenho certeza, é correspondido.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Todo o poder da palavra

imagem:br.olhares.com/museu_da_lingua_portuguesa__são_paulo_foto1188916.html

_Turris eburnea!_ disse o cura.
E os meninos:
_Ora pro nobis.
E num dado momento "aquilo" aconteceu. A voz àspera de Pe. Antônio rascou o ar:
_Rosa mística...
Pedro esqueceu a ladainha. Seus lábios não conseguiram pronunciar o ora pro nobis. Rosa mística... Estas palavras lhe ficaram soando na memória com uma doçura de música. Rosa mística. Ele as repetia baixinho. Como era bonito! Rosa mística. Mas que queria dizer? Sabia o que era rosa. Havia rosas brancas, vermelas, amarelas... Mas que seria Rosa mística? Pensou em perguntar ao cura ou a Pe. Alonzo. Mas um temor secreto impediu disso. Ficou acariciando a palavra, guardando-a como um segredo, como um pecado. Rosa Mística. Na aula de doutrina quase se ergueu para perguntar: "Padre, que é rosa mística?" Mas não teve coragem. E um dia, olhando a igreja na hora em que o primeiro sol da manhã lhe incendiava as paredes, murmurou: "Rosa mística". E daí por diante, sempre que uma impressão de beleza o feria, sempre que alguma coisa lhe dava prazer, ele murmurava: "Rosa mística". Se uma laranja era doce, Pedro pensava: "Rosa mística". "Rosa mística" dizia também para as músicas que amava, para as nunvens, para as aves, para a água, para os peixes.

Érico Veríssimo em O tempo e o vento-O continente 1. (Globo pg. 42.)

As palavras

Eugénio de Andrade

São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêncio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta?
Quem as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

quinta-feira, 19 de março de 2009

correnteza

Eu rio
Você [a]mar.

quarta-feira, 18 de março de 2009

notícia

HAPPY END

o meu amor e eu
nascemos um para o outro

agora só falta quem nos apresente

***

Cacaso (Antonio Carlos de Brito 1944-1987) um dos expoentes da chamada "geração mimeógrafo" publicado em: Correio Braziliense de 14/03/2009

sábado, 14 de março de 2009

da arrogância, também

"Nunca é tão fácil perder-se como quando se julga conhecer o caminho." Prov. Chinês

" Tudo vence um coração que não se deixa vencer". Pe. Antonio Vieira

Tenho percebido cada dia mais a verdade desses dois provérbios. Quando penso que estou forte, é aí que qualquer sopro me derruba, quando me sinto inatingível em minha razão é aí que as emoções mais bobas me abalam. E cada momento desses é uma surpresa, uma descoberta amarga dessa verdade óbvia: a fragilidade humana, em todos os aspectos. Eu não devia me surpreender tanto, já que a doutrina cristã nos fala tanto disso, dessa imcompletude e imperfeição que apenas é preenchida quando reconhecemos nossas fraquezas e buscamos a parte que nos falta, em Deus, para nos aperfeiçoarmos; fomos feitos para conter Deus e só ele nos completa, nos torna perfeitos.
E nessa correria louca que é a vida, a gente cede espaço pra todas as coisas que abalam as certezas que nos sustentam, e nos angustiamos em busca de equilíbrio e serenidade, enquanto nos afastamos cada vez mais dessas virtudes. E eu mesma nem sei se o bom mesmo é viver nessa corda bamba sem ter onde se segurar direito, se não é bom essa adrenalina que nos põe em movimento, em busca, em construção. Se nem sei do que estou falando, melhor não opinar nesse caso.
Mas deve ser apenas uma percepção momentânea e passageira de um ângulo menos conhecido da vida, que não quer nem saber se pra gente é novo, é desconhecido; exige de nós posicionamento, ação; e cá estou eu tropeçando nas minhas próprias palavras, imagine nas atitudes.

terça-feira, 10 de março de 2009

reticências

...e é difícil mesmo os pontos finais, consigo as pausas, outros sinais. E nem sei por que isso, se nunca realmente me apropriei; talvez seja o motivo, a indefinição. E planejo rituais como marcos de mudança, de rompimento. Tem um poema de Fernando Pessoa recortado do jornal de terça que fala do que poderia ter sido, desse quase tão bonito, esse pensamento passageiro e risonho. E tem também uma música, um canto de despedida sem mágoas, como um hino à liberdade, mas eu não consegui ainda realizá-los, compartilhá-los, justamente porque não tenho certeza se a hora é essa, se é fim, se acabou, mesmo com todas as provas à vista, todas as provas à mão. E não gosto de voltar atrás. Eu nunca acreditei que fosse possível não reconhecer e aceitar verdades tão cruas. Deve ser porque também é meio dolorido, e isto sempre nos foi mostrado como algo a ser evitado. É mesmo só contradição. Mas como ainda sou eu quem escrevo essa história, qualquer hora dessas eu termino tudo e ponto

sábado, 7 de março de 2009

DF


Foto: início da Asa Norte- DF. Minha prima está uma fotógrafa e tanto.

08 de março

comentário sobre o post anterior (postado em razão do dia internacional da mulher):

porque nada melhor que um texto de quem mais sabe escrever sobre ser mulher, com todas as dúvidas, medos, dramas, alegrias e tudo, tudinho que só a gente conhece bem, mas que poucas como ela tem o dom de deixar tão sublime por escrito, nem aí para quem discordar, isto é um comentário pessoal com julgamento estritamente subjetivo, assim com todas as identificações que sinto ao lê Tati Bernadi e; mesmo quando não, ainda consigo perceber essa dor e essa alegria de ser mulher, arrisco dizer que talvez seja essa sintonia que nos une em torno do que é feminino, do que nos é essência e mesmo assim estranheza, que arrebatam tantos leitores. Eu admito que queria eu mesma ter esse dom (será inveja?) de poder me conhecer tanto assim ou pelo menos me questionar tanto assim, a ponto de me mostrar inteira com todos os defeitos e qualidades, com tudo de imperfeito que vem junto com o que é belo e bom ao nos revelarmos, acho corajoso essa escrita em primeira pessoa, pois é assumir a responsabilidade que vem junto por tudo que se diz, não estou dizendo que sua escrita é inteiramente autobiográfica. É melhor eu parar por aqui, pois quanto mais eu tento explicar e mostrar o quanto gosto, ou o quanto a escritora é incrível, menos consigo. Acho que eu queria dizer simplesmente é que quando publico um texto dela aqui, é porque é exatamente isso que eu queria ter dito (não tenho um ex- namorado que vai se casar, mas eu desconfio que ser simples é praticamente impossível mesmo). Ah e eu também não consigo dormir por causa da palavra "como".
PS: A última frase do texto, é apenas uma refência conotativa ao texto comentado, durmo feito uma pedra, graças a Dio...
Simplesmente

Uma semana antes do meu ex namorado se casar eu fiquei sabendo que ele iria se casar. Já fazia uns quatro anos que a gente não se falava mas eu não aguentei e liguei pra ele. Eu não queria voltar, não gostava mais dele, não queria estragar nada. Eu só queria saber “como”. Fui tomada por uma curiosidade tão absurda que não poderia viver mais um dia sem saber “como”. Como? Eu perguntei, torcendo pra que o absurdo fizesse sentido a ele, que me conhecia tão bem. Porque a mim não fazia o menor sentido. E ele respondeu, me dando de presente, de novo, uma intimidade de compreensão que eu já nem lembrava mais que existia: simplesmente rolou. É isso? Então era só isso? Simplesmente rolou. Então é simples? Aquilo sim me fez sofrer. Era simples. Amar era simples. Eu nunca tinha parado pra pensar nisso. Sequer tinha passado pela minha cabeça. Amar pra mim sempre foi o torpor, a berlinda, a coisa mais insuportável do mundo, a catapulta pra me lançar pra longe do próprio sentimento. Mas amar era simples. Imaginei sua mulher, que era linda e agradável de imaginar, lendo um livro com fones de ouvido enquanto ele e seus amigos animalescos destruíam a sala vendo o jogo do Flamengo. Amar era simples. Por que raios aquilo me irritava tanto? Por que raios eu não pegava um livro, botava o fone, e era feliz? Era só um jogo, eram só alguns amigos meio bobos que daqui a pouco iriam embora. Era só uma corneta com auto-falante, maconha e cigarro brigando pra ver quem fazia meu nariz cair primeiro. Fora um ou outro som de pum. Imaginei sua mulher quieta num jantar chato, daqueles que ele começava a discursar sobre propaganda com uma lembrança invejável de datas e nomes de pessoas. E ela orgulhosa. Meu amor ama o que faz. Ele é um pouco mala, mas tudo bem. Feliz. Mudando delicadamente de assunto. Essa manteiga com ervas é incrível, amor, experimenta. Leve. Calando a boca dele com classe. Simplesmente rolou. O amor era simples. Para ele e para uma meia dúzia de ex namorados meus que sempre encontro por aí, envoltos pela energia da simplicidade do amor. Suas mulheres grávidas. O cuidado pra atravessar a rua. Os almoços em paz. Um acordo qualquer que não me parece em nada deprimente ou sofrido quando os vejo por aí, exibindo a vida que acontece simplesmente. Simplesmente rolando pra todo mundo. Mas escuta, dá pra aturar um cara que nunca fala sério e faz piada de tudo? Mas escuta, dá pra aturar aquele outro que não lia nada desde o último sucesso do Harry Potter? E o mister agora tô no meu planetinha e você pode morrer se bater na porta? Dá pra aturar? Fora tudo aquilo que vem junto. Ciúme, saudade, raiva, dor, preguiça, bode e por aí vai. Alguém aturou. Todos eles. Todos vivendo suas histórias. E eu escrevendo textos as cinco da manhã. Porque a palavra “como” não me deixa nem dormir, o que dirá ser simples.