quinta-feira, 26 de março de 2009

Todo o poder da palavra

imagem:br.olhares.com/museu_da_lingua_portuguesa__são_paulo_foto1188916.html

_Turris eburnea!_ disse o cura.
E os meninos:
_Ora pro nobis.
E num dado momento "aquilo" aconteceu. A voz àspera de Pe. Antônio rascou o ar:
_Rosa mística...
Pedro esqueceu a ladainha. Seus lábios não conseguiram pronunciar o ora pro nobis. Rosa mística... Estas palavras lhe ficaram soando na memória com uma doçura de música. Rosa mística. Ele as repetia baixinho. Como era bonito! Rosa mística. Mas que queria dizer? Sabia o que era rosa. Havia rosas brancas, vermelas, amarelas... Mas que seria Rosa mística? Pensou em perguntar ao cura ou a Pe. Alonzo. Mas um temor secreto impediu disso. Ficou acariciando a palavra, guardando-a como um segredo, como um pecado. Rosa Mística. Na aula de doutrina quase se ergueu para perguntar: "Padre, que é rosa mística?" Mas não teve coragem. E um dia, olhando a igreja na hora em que o primeiro sol da manhã lhe incendiava as paredes, murmurou: "Rosa mística". E daí por diante, sempre que uma impressão de beleza o feria, sempre que alguma coisa lhe dava prazer, ele murmurava: "Rosa mística". Se uma laranja era doce, Pedro pensava: "Rosa mística". "Rosa mística" dizia também para as músicas que amava, para as nunvens, para as aves, para a água, para os peixes.

Érico Veríssimo em O tempo e o vento-O continente 1. (Globo pg. 42.)

As palavras

Eugénio de Andrade

São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêncio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta?
Quem as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

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