sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A frase do dia

Em mais uma visita ao Café onde costumo jantar (café com leite e beiju), peço o de sempre, mas a moça me pergunta o que é o de sempre. É, três vezes ainda não é o suficiente pra fazer o pedido dessa forma. Hunff ! Vou folhear as revistas que nem criança, querendo mais as imagens que as letras, e nem aí pra relógio, descansando de mais um dia antes mesmo dele chegar ao fim. Me esquecendo que tenho mais um compromisso, eu tomo meu café, saboreio a tapioca com manteiga, demoro a pagar a conta, mas fico aliviada por haver outras mesas, caso cheguem mais clientes. Encontro uma frase tão bonita na revista, eu também penso assim. Nunca havia lido nada desse cara. Vou pagar agora, o chuvisco deve ter passado, devo estar "atrasada como sempre meia hora ou mais", não quero que pensem que vou sair sem pagar. Recebo o troco e me admiro dessa moça parecer tão naturalmente simpática, sem se esforçar pra ser agradável. Tem gente que é assim mesmo, coisa rara. Gente que nem precisa falar com a gente, basta aquele olhar sorridente, franco, sei lá. Como será que os outros me veêm? Eu penso nisso outra hora...Pressa...pressa.
E a frase era:
Em matéria de amor o excesso é o minímo que eu peço.
É ou não é o cara? rss

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Dos guardados

Fazendo uma faxina nas gavetas, encontrei uma página de revista que havia guardado ( tenho essa mania) arranquei de uma revista já toda recortada, destruída, há uns dois anos atrás, mesmo sabendo que era voltado pra um público específico da revista achei perfeito pra mim. Hoje já encontro no texto alguns defeitos, alguns preconceitos, alguns psicologismos, e discordo de algumas coisas, mas não posso negar que me faz pensar sobre a inconstância, a transitoriedade, a importância das coisas. Perceber o lado bom das coisas, por que não? Por que temos que considerar as coisas, as pessoas como imutáveis? Estamos vivendo, estamos mudando; até a minha opinião sobre o texto não é a mesma do dia em que li a primeira vez e quis guardar. Se me fez pensar em assumir uma timidez apontada, também me fez questionar o rótulo, o julgamento. Se me identifiquei com alguns exemplos, e poderia citar muitos outros, também poderia listar inúmeros que contrariam a tese. E por causa dessa mania de guardar o que me agradou, o que me sensibilizou de certa maneira, guardo aqui no meu canto, esse recorte, esse impressão, essa minha lembrança, pois o papel vou jogar fora. E olha que raiva depois de digitar isso tudo, encontrei aqui (vá em edições anteriores); era só copiar/ colar. Enfim, it's the life...
O que é timidez*

É uma característica de quem fala pouco, mas valoriza muito o outro

Há duas maneira de encarar a timidez. Començando pelo lado sombrio, a palavra timidez veio do latim timere "ter medo". O tímido é alguém com receio. Receio de quê? A lista é enorme: de ser criticado em público; de não ser o melhor; de não atingir as expectativas dos outros (principalmente dos pais); de tomar decisões que possam ser mal interpretadas; ou, simplesmente, de ouvir um "não". Ou seja, a solução para os males do tímido não está nele, está nos outros. E os outros, em vez de colaborar, acham divertido chamar o tímido de acanhado, envergonhado, enrustido, rótulos que só ajudam a piorar a sitação.
Assim, a defesa natural do tímido é se isolar e se calar, para evitar o contato- e o confronto- com outras pessoas. E aí começa a ficar altamente emocional suas reações, criando um mundo particular em que a regra é "ninguém me entende". Quanto mais isolado se torna, menos confiança adquire em si mesmo. Essa insegurança levará gradativamente à dificuldade para decidir o que fazer. O passo seguinte é a perda da auto-estima. E, daí em diante, tudo vai ladeira a baixo.
Logo, o importante é deixar a timidez de lado? Seria, se fosse assim tão fácil. Porque o tímido não escolheu ser tímido. Ele se tornou tímido. Se alguém escarafunchar seu passado, vai encontrar algum fato que talvez ajude a explicar essa retração, como, por exemplo, críticas ou pressões para ser o melhor em tudo; ou uma mudança brusca de cidade ou de condição de vida; ou pais muito afetivos, mas dados à superproteção.
Agora, a parte boa. Timidez não é uma doença, é uma característica de personalidade. Não existe uma norma dizendo que crianças tímidas irão se transformar em adultos tímidos. E tampouco a timidez vai gerar insatisfação pessoal: existe muita gente tímida com grande auto-estima. Muitas pessoas famosas, milionárias, inteligentes e corajosas foram, ou são, tímidas. Esse povo, simplesmente, aprendeu a usar a timidez a seu favor, por conta própria ou por meio de alguma ajuda especializada.
O melhor tímido é aquele que sabe que é tímido, que aceita o fato de ser tímido e que faz da timidez a sua vantagem competitiva. Porque qualquer pessoa normal prefere mil vezes trabalhar com alguém tímido, porém atencioso e prestativo, dispoto a ouvir, do que com alguém auto-suficiente, que despreza as opiniões alheias e tem resposta para tudo. Pessoas tímidas têm dentro de si, ao mesmo tempo, o acelerador que lhes permite contribuir com grandes sugestões e o freio que as impede de simplesmente levantar a mão em uma reunião para fazer uma pergunta.
Dentro de cada tímido, há um artista esperando a hora de brilhar. E, dentro de cada artista, há um tímido que encontrou a válvula de escape. O único empecilho para o tímido é ele mesmo, quando se propõe a deixar de lado o possível no curto prazo, para tentar fazer planos inatingíveis de longo prazo. No fundo, os tímidos são os melhores entre nós, mas boa parte de nós ainda não percebeu isso. E boa parte deles, também não.

* Copiado na íntegra coluna MR. MAX da revista VOCE/SA de maio de 2005.

** Escritor e palestrante; agora eu não sei, mas na foto da época era a cara do Richard Gere (Uow!).

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mal -dito bem/mau entendido

(Ditas)
Sem sentido
cem palavras
consentidas

(Atos)
Dez feitos
com sentidos
equivocados

(O sentido?)
Sem jeito
sentimento
desfeito.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Há alguns anos atrás quando uma prima querida estava prestes a decidir morar com o namorado, mudar de cidade, mudar de vida. Depois de uma conversa em que me confidenciou sua intenção, cheguei em casa e fui pensar sobre o assunto, não sei por que, acho que pensei que ela realmente fosse embora, resolvi escrever uma carta pra ela, na verdade vasculhei meus livros didáticos, meus papéis guardados, meus recortes e copiei alguns poemas, escrevi alguns desejos de felicidades e lhe entreguei numa folha de caderno, no dia em que ela viajou para tomar a decisão.
O tempo passou de novo, ela não casou com o pretendido na época; voltou, e depois eu é que fui embora. Mas numa das vezes em que nos reencontramos, numa conversa entre primas, ela tirou da carteira a folha de caderno já marcada pelas dobras, já envelhecida e me disse que guardou o presente todo esse tempo, que havia gostado muito, que leu junto ao namorado na época. Eu fiquei feliz em saber que aquele gesto, meio infantil, foi agradável e bonito. Eu reli o que tinha escrito, nem lembrava mais, e também gostei do que estava ali. E um dos poemas também ficou sendo um dos meus preferidos, esse:

Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não.
A qualquer hora da noite me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ele fala coisas como "este foi difícil" "prateou no ar dando rabanadas" e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,vamos dormir.
Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva.
Adélia Prado

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

prendas do maranhão




Quase nada-Zeca Baleiro

(Acho que são os lençóis maranhenses no clipe, lindos iguais a música, ao Zeca.)

sábado, 18 de outubro de 2008

Fiquei parecida comigo?

Eu vi em A luz na escuridão e fiz o meu, se quiser fazer sua versão mangá também, é aqui ó.


É, sou eu...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

e a noite vem chegando à Brasília


Foto: Ana/ Arquivo Pessoal -07/2008

terça-feira, 14 de outubro de 2008

poesia in crônica

(Porque a gente encontra pedacinhos de nós por aí, nos ditos, nos feitos e nos escritos de outros. Achei bonito demais pra guardar só pra mim.)
Escorrendo
Aos 5 anos de idade o mundo é esmagadoramente mais forte do que a gente. (Aos 30 também, mas apren- demos umas manhas que, se não anulam a desproporção, ao menos disfarçam nossa pequenez.) A ignorância não é uma bênção, é uma condenação: compreender a origem dos nossos incômodos faz uma grande diferença. Mas como, com tão poucas palavras ao nosso dispor? Palavras são ferramentas que usamos para desmontar o mundo e remontá-lo dentro da nossa cabeça. Sem as ferramentas precisas, ficamos a espanar parafusos com pontas de facas, a destruir porcas com alicates.
Com 2 anos, meu nariz escorria sem parar na sala de aula. Eu não sabia assoar, nem sequer sabia que existia isso: assoar. Apenas enxugava o que descia na manga do uniforme, conformado, até ficar com o nariz assado. Lembro-me bem da sensação da meia sendo comida pela galocha enquanto eu andava. A cada passo, ela ia se engruvinhando mais e mais na frente do pé, faltando no calcanhar, e eu aceitava o infortúnio como se fosse uma praga rogada pelos deuses, uma sina. Não passava pela minha cabeça trocar de meia, desistir da galocha, pedir ajuda aos adultos: a vida era assim, não havia o que fazer.

Numas férias, meu pai apareceu antes do combinado para pegar minha irmã e eu na casa dos meus avós. Durante 400 quilômetros, falou que existiam pessoas boas e pessoas más, que aconteciam coisas que a gente não conseguia entender, que mesmo as pessoas más podiam fazer coisas boas e as pessoas boas, coisas más. Já quase chegando a São Paulo, contou que nosso vizinho, de 6 anos, tinha levado um tiro. Naquela noite, enquanto as crianças da rua brincavam – mais quietas do que o habitual, sob um véu inominável –, um dos garotos disse: “Bem-feito! Ele é muito chato”. Hoje, penso que pode ter sido sua maneira de lidar com uma realidade esmagadoramente mais forte do que ele. Meu vizinho, felizmente, sobreviveu. Nossa ingenuidade é que não: ficou ali, estirada entre amendoeiras e paralelepípedos, sendo iluminada pela lâmpada intermitente de mercúrio, depois que todas as crianças voltaram para suas casas.

Antonio Prata

Publicado na seção Era uma vez da revista Nova Escola impressa, mas disponível também, aqui.

sábado, 11 de outubro de 2008

O vestido mais bonito

Eu sempre quis escrever sobre essa lembrança da minha infância, mais que outras, nem sei o motivo; acho que porque nem consigo sequer lembrar essa passagem sem que sinta uma pontinha daquilo que senti no dia. E isso me emociona, é estranho, eu mesma acho ridículo, mas também um pouco triste e um pouco terno.

Até meus nove ou dez anos de idade ou mais, as minhas roupas assim como as de minha irmã eram feitas por uma costureira, quando já estávamos com todas as peças “surradas” era a hora de minha mãe ir até a cidade escolher os tecidos e mandar fazer, geralmente conjuntinhos de uma cor só, ou vestidinhos. Essa era uma época de pura felicidade, os olhos brilhavam quando era chegada à grande hora de experimentar a roupa nova, pra ver se servia.

Numa dessas vezes, quando eu tinha uns sete ou oito anos minha irmã mais nova ganhou um conjunto e eu um vestido, não me recordo bem da cor e do modelo da roupa nova da minha irmã, mas do meu vestido não há como esquecer, era o vestido mais bonito que alguém havia feito, o comprimento era até os joelhos, simples, sem mangas, sem rendas, sem enfeites; o que havia de especial era o tecido, na verdade a cor do tecido, porque provavelmente era uma chita como as outras; mas sua estampa eram listrinhas fininhas de várias cores, nem berrante, nem apagado, era o arco-íris mas bem representado que eu já havia visto, e passava horas admirando aquelas listrinhas no meu vestido novo, tentando imaginar qual o início da seqüência das listras, como poderiam ser reagrupadas... eu me encantava. Achava que quando eu vestia aquele vestido mais bonito de todos, ficava linda, tinha certeza.

Um dia motivadas pela rivalidade entre irmãos, que no meu caso era agravada pelo ciúme que sentia da minha irmã caçula, depois de algumas provocações e teimas infanto- fraternais entre nós, decidimos que a pessoa mais indicada pra dizer afinal, de quem era a roupa mais bonita, era nossa mãe. Eu mesma sabendo da predileção e vantagem dos irmãos caçula estava certa que dessa vez isso não contaria porque, quem seria capaz de discordar que o meu vestido era o vestido mais bonito de todos?

E lá fomos nós, cada uma mais faceira que a outra, exibindo confiantes do voto daquela que era sem dúvidas a nossa predileta , nossos trajes mais belos e preciosos. Eu não sei como minha irmã se sentiu, pois nunca mais falei com ela sobre esse fato, talvez não lembre, era muito pequena, mas eu nunca vou esquecer de como me senti depois de ouvir que o conjunto dela era o mais bonito. Creio que minha mãe falou mais pra se livrar de nossa importunação, do que por qualquer outro motivo, talvez tenha pensado que eu entenderia por ser mais velha, ou não; mas depois de escutar aquilo, eu não consegui ficar na presença das duas e de mais ninguém, porque lembro que havia mais pessoas na sala, nem sei. Eu saí disfarçando a decepção e fui para o quarto dos meus pais, me escondi ao lado da cama, onde não podiam me ver, eu não queria chorar por aquele motivo bobo, mas também não podia conter nenhuma lágrima, acho que a certeza que eu tinha descia em cada uma. Eu continuei acreditando que meu vestido era o mais bonito, mas passei a acreditar também que só eu achava isso, ninguém mais, então eu poderia estar errada, e talvez estivesse feia com um vestido horroroso.

E daquele dia em diante, mesmo que me digam: o seu vestido é lindo, o mais bonito de todos. Mesmo que eu queira, eu não consigo acreditar. Mas também decidi que um dia, quando eu tiver filhos, nunca vou deixar que desacreditem da própria beleza, mesmo que jamais me questionem eu vou dizer a eles, para que nunca duvidem, que estão com as roupas mais lindas, que são os filhos mais bonitos desse mundo.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

des+conexo

(Não procurem coerência nesse texto, foi saindo da potinhas dos dedos desse jeito, não dá pra registrar os pensamentos acompanhando o ritmo deles, penso eu.)
As pessoas não entendem meu senso de humor, e eu não entendo o mau-humor delas. Tá certo que a recíproca é bem verdadeira ultimamente. Quem aguenta essas risadas? Esses assuntos desinteressantes? Esse convivência inssossa e irônica, politicamente correta. Eu não sei o que há.
Eu, uma pessoa avessa aos excessos e extremos, chegar a esse ponto, o mundo está virado mesmo. Esse é o momento apropriado pra usar uma frase de que gosto muito "Parem o mundo que eu quero descer", que eu jurava era um ditado popular e descobri que é atribuída a um comediante estrangeiro (depois escrevo aqui). Mas enfim, já vi que não posso desistir dessa viagem, eu jamais desistiria de mim, imagina! Agora que consegui um lugar na janela, agora que já tem até com quem conversar, agora que ainda o melhor estar por vir, porque sempre está, mas eu estou gostando desde o início; e esse desconforto? Faz parte de toda e qualquer viagem maravilhosa que fazemos. Continuo, maravilhada e agradecida por ser eu quem está vendo, ouvindo e sentido tudo nesse caminho. E tenho dito.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

egocentrismo

"Sem Ana, Blues..

Quando Ana me deixou - essa frase ficou na minha cabeça, de dois jeitos - e depois que Ana me deixou. Sei que não é exatamente uma frase, só um começo de frase, mas foi o que ficou na minha cabeça. Eu pensava assim: quando Ana me deixou - e essa não- continuação era a única espécie de não continuação que vinha. Entre aquele quando e aquele depois, não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela ausência de Ana, embora eu pudesse preenchê-lo - esse espaço branco sem Ana - de muitas formas, tantas quantas quisesse, com palavras ou ações. (...)
Quando Ana me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de oito horas da noite, com o bilhete dela nas mãos. No horário de verão, pela janela aberta da sala, à luz das oito horas da noite podiam-se ainda ver uns restos dourados e vermelho deixados pelo sol atrás dos edifícios, nos lados de Pinheiros. Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, o último bilhete de Ana nas mãos, olhando pela janela os dourados e o vermelho do céu. E lembro que pensei agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou, e depois de algum tempo em que o telefone não tocou, e podia ser Lucinha da agência ou Paulo do cineclube ou Nelson de Paris ou minha mãe do Sul, convidando para jantar, para cheirar pó, para ver Nastassia Kinski nua, perguntando que tempo fazia ou qualquer coisa assim, então pensei agora a campainha vai tocar. Podia ser o porteiro entregando alguma dessas criancinhas meio monstros de edifício, que adoram apertar as campainhas alheias, depois sair correndo. Ou simples engano, podia ser. Mas a campainha também não tocou, e eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um aquário, o bilhete de Ana nas mãos, sem fazer absolutamente nada além de respirar. Depois que Ana me deixou - não naquele momento exato em que estou ali parado, porque aquele momento exato é o momento- quando, não o momento- depois, e no momento- quando não acontece nada dentro dele, somente a ausência da Ana, igual a uma bolha de sabão redonda, luminosa, suspensa no ar, bem no centro da sala do apartamento, e dentro dessa bolha é que estou parado também, suspenso também, mas não luminoso, ao contrário, opaco, fosco, sem brilho e ainda vestido com um dos ternos que uso para trabalhar, apenas o nó da gravata levemente afrouxado, porque é começo de verão e o suor que escorre pelo meu corpo começa a molhar as mãos e a dissolver a tinta das letras no bilhete de Ana - depois que Ana me deixou, como ia dizendo, dei para beber, como é de praxe. (...)
O gosto de café sem açúcar acompanhava manhãs de ressaca e tardes na agência, entre textos de publicidade e sustos a cada vez que o telefone tocava. Porque no meio dos restos dos gostos de vodca, lágrima e café, entre as pontadas na cabeça, o nojo da boca do estômago e os olhos inchados, principalmente às sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos nunca mais com Ana, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém diria telefone-para- você e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria sinto- falta- quero- voltar. Isso nunca aconteceu..(...)"
Caio Fernando de Abreu
(Achei aqui, acho que vou querer ler Caio Fernando Abreu, por isto e por isso também.)