domingo, 7 de junho de 2009

a gente se traduz na poesia alheia (e na nossa)

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Ferreira Gullar in De Na Vertigem do Dia (1975-1980)

Um comentário:

Kholdan disse...

Muito perfeito. Como gostaria de conseguir traduzir minhas partes. Ferreira Gullar é um gênio.

Adorei