segunda-feira, 11 de agosto de 2008

CARA ESTRANHO

Olhando assim, ninguém dizia, parecia um rapaz qualquer, daqueles que têm por aí, que vivem a vida e se perguntam nada, e enfrentam e vivem, só seguem um rumo.

Mas desde pequeno tinha aquele jeito, gostava mais das palavras que dos fatos, as palavras sim podiam ter vários sentidos, podiam significar algo e algum tempo depois outra coisa totalmente diferente, podiam agregar sentidos, traziam infinitas possibilidades e isso lhe agradava. Os fatos só eram aquilo, não traziam nenhuma brecha, encerravam qualquer lacuna, qualquer esperança; pois são crus e finais, não trazem como as palavras aquela incompletude que carece do pedacinho de cada um que ouve, que lê ou mesmo que diz.

E assim foi que deixou, também por isso e talvez pela vida, que não se sabe se pelo excesso ou pela falta fez com que fosse quase que indiferente aos sentimentos diversos. Admirava os poetas e suas metáforas, sua linguagem cheia de mil probabilidades, mil códigos, mil sentimentos, mas era só. E por isso aquele estranhamento consigo mesmo, todas as vezes que se achava de súbito numa situação real, onde era o autor, o ator, o sujeito que sofria ou praticava a ação, toda vez que sentia...

Nunca teve jeito mesmo pros pequenos desgastes, pros pequenos deleites sentimentais, lhe custava lidar com as experiências mais corriqueiras, os mínimos dissabores do cotidiano lhe eram demasiadamente pesados e ficava sem jeito com as agradáveis amenidades que lhe tocavam.

E era assim que a cada novidade nessa área, ficava a buscar palavras pra nomear aquilo, que o incomodava de alguma forma, tentava conceituar e de alguma forma tirar o determinismo, ignorando de alguma forma a realidade, a fatalidade e abrindo brechas onde entrassem o inesperado que esperava, as alternativas impossíveis.

Um dia aconteceu algo (sempre os fatos, sempre a realidade) que lhe trouxe algo novo, na hora nem percebeu que foi afetado, atingindo, mas dia seguinte, já notara a diferença, estava fraco, uma fraqueza que não era normal, e sentia algo parecido com fome, mas que não passava nem que se empanturrasse de comida, já sentira algo parecido antes, mas dessa vez era um vazio diferente.

Já aprendera há muito anos atrás, que o corpo padece nesses casos; foi um dia quando lhe disseram algo enquanto almoçava e de repente aquelas palavras lhe tiraram todo o apetite, foi físico, não passava nada por sua garganta, mesmo que tentasse; não conseguiu comer, mas teve medo desse poder dos sentimentos. Nesse dia ficou em dúvida se o nome seria raiva ou não, pois achou que só raiva não faria tanto estrago, a comida estava gostosa.

E agora sim, agora de novo, seria um desgosto? Não sabia, achava que entendia o sentido dessa palavra, mas assim, assim na pele, parecia outra coisa, parecia algo muito, muito difícil, talvez fosse só a dificuldade sua de lidar com suas incoerências, seus obscuros. Porque sabia que quando afirmava que mais valia viver, experimentar tudo que a vida oferece, incluindo os desgostos, sabia que lá no fundo, lá no mais inatingível do seu ser não concordava com isso coisa nenhuma.


Video: cara estranho- Los Hermanos

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