quarta-feira, 30 de junho de 2010

Habitat

Poesia não se escreve
com girassóis
ou lírios.
Versos são cílios –
melhor, ciscos –
no olho
que não chora.
Escrevo porque abraço
ouriços.
Vivo isso.
Piso ruínas.
Habito-as.
Leandro Wirz (pra não esquecer a poesia diária)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

prece

O cansaço meu Deus, o cansaço
De ouvir, de falar, de chorar
Não permita, meu Deus, não permita.
Quero ver e amar e sentir.

Essa vida, meu Deus, essa vida
É só tempo, é um vento que vai
Quero paz, meu Deus, quero mais
Muito mais que eu possa pensar

Que eu entenda, meu Deus, a pendenga
esse mar entre o outro e eu
Essa luta, essa dor, essa onda
de querer, sem saber, só viver.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Acredite

Eu não acredito em mim quando devia. E isso dói mais que quando alguém me joga alguma palavra agressiva na cara. Eu pensei que isso não fosse mais possível. Não alguém me jogar palavras grosseiras, mas eu me desacreditar um pouco. Não uma dúvida - dúvida, mas uma incerteza meio magoada de será que o outro tem razão?
E por uns bons momentos eu me esqueço que eu não importo com o que pensam a meu respeito, e fico insatisfeita com a minha falta de amor-próprio justamente quando é mais necessário. É tão triste perder tempo com ouvir bobagem que eu choro. Choro também porque eu esqueço as coisas importantes e bonitas e das pessoas importantes e que eu amo.
Me decepciono por não saber ser imune ao meu julgamento. Eu devia saber conviver a mais tempo, e perdoar e esquecer. Eu não quero perder um minuto com o que não devia ser considerado de jeito nenhum e foi. Por isso faço questão de encerrar esse episódio agora, e acabar o mal estar como a sugestão que li outro dia: “desmaia logo que passa”. Eu quero gastar cada lágrima com algo que valha a pena.
Segundo minha olhada em meus arquivos, esse tambem não havia sido publicado é de outubro de 2009.
Embora o contexto do texto tenha se diluído no tempo, a regra aqui é escreve - publica. Então... me avisem se eu já o postei antes.

Previsível

“insensível, insensível você diz..." *

Pois como disse o poeta: "Mas a vida era a vida, e tudo mudou". Não posso ser cem por cento previsibilidade, com tanta admiração e surpresa com que olho o mundo a minha volta; a certeza enfadonha deve está na vista de quem olha; e quem me olha sem encanto, sem espanto não vai ver nada que já não conheça, e mesmo assim seria contradição, pois todo dia nós já somos outros, talvez mais velhos, outros.
Acredito mesmo que tudo esteja de acordo com a percepção que temos das pessoas e de tudo a nossa volta. Pra mim tudo é estranho, desconhecido até acontecer, até existir, até ser sentido. Tudo que acontece traz algo nunca visto, nunca sentido. Aquilo que passa pelos meus sentidos se transforma por todas as impressões, idéias e experiências que sou eu. Do cumprimento amigável de um desconhecido na rua a um gesto rude de um amigo, tudo é intensamente surpreendente pra mim e eu tento agir como se tudo fosse normal e razoável. Porque as menores coisas para mim são imensidões, as insignificâncias são imprescindíveis e tudo tem um valor imensurável, afetivo.
Tudo me afeta, me constrange e me comove de uma maneira sobrecomum e por isso não entendo como alguém pode ver o mundo e as pessoas como se fossem triviais e simples. Eu sigo tentando descobrir cada pessoa ao mesmo tempo em que sei desse mistério infinito que cada um carrega por dentro. E por tentar compreender eu simplifico, subestimo; pra em seguida ficar abismada novamente com o que cintila escondido em cada um e só vez em quando escapa.
Então não posso reduzir tudo ao que é previsível e ao que não é, sou mais que isso, sou tudo isso.
Texto escrito em setembro de 2009. Acho que não havia publicado, se já alguém me avise.
* verso de Insensível - Titãs

quinta-feira, 10 de junho de 2010

coisa alguma coisa

Minha alegria anda numas coisas sem nome, indefiníveis de tão abstratas. E ando junto com ela nesse estado entre dormindo e acordada, ouvindo tudo ao meu redor, mas percebendo muito pouco do que é real. Repito a indiferença e o individualismo que tanto aborreço e tenho medo do outro ser apenas um espelho meu como já li em algum lugar em outras palavras. É um absurdo preferir tudo que é diverso de mim e só consegui andar carregada da minha subjetividade impassível. Quero devaneios súbitos pra sair dessa sonolência trivial, pois a experiência é muito pouco pra julgar os sonhos. Preciso buscar sabedoria na poesia; desconfio que só a prosa não me baste.

sonolência

Penso que a indiferença seja algo muito triste, temo que a falta do que dizer, esse não sentir nada, relacionado ao passado e ao futuro, seja um indício, indolor e insensível disso que já não há nome porque se dissolveu como se nunca houvesse existido, uma tristeza inerente que não sentimos, conforme todo o resto.


pensei isso dia 25-05-10 e escrevi, hoje novamente isso me veio à mente, melhor publicar. Vai que é um pensamente insistente né?

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Noções

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.
Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.
Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.
Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...

Cecília Meireles

nada como uma pitada de filosofia e psicanálise pra argumentar a favor do happy end

"Justamente, li nestes dias um livro que me tocou, "Éloge de l'Amour" (elogio do amor, Flammarion 2009, ainda não traduzido para o português), de Alain Badiou; é a transcrição de uma breve entrevista do filósofo francês.
Nela, inevitavelmente, Badiou constata que, em nossa cultura, a visão dominante do amor é a de uma espécie de "heroísmo da fusão" dos amantes, que, uma vez consumidos por sua paixão, podem sair de cena (para não se tornar ridículos) ou sair do mundo e morrer (para se tornar sublimes).
Contra essa visão, Badiou define o amor mais como um percurso do que como um acontecimento: segundo ele, o amor precisa durar um tempo porque é "uma construção".
Confesso que fiquei com medo de que o filósofo nos propusesse amores tagarelas, em que os amantes não parariam de discutir a relação (claro, para construí-la). Por sorte, não se trata disso. Então, o que constroem os amantes?
Geralmente, explica Badiou, minha experiência do mundo é organizada por minha vontade de sobreviver e por meu interesse particular: vejo o mundo só de minha janela.
Certo, ao redor de mim, há muitos outros de quem gosto e aos quais reconheço o direito de também sobreviver e promover seus interesses.
Mas o fato de eu respeitar esses meus semelhantes não muda em nada meu ângulo de visão. É só quando amo que consigo olhar, ao mesmo tempo, por duas janelas que não se confundem, a minha e a de meu amado. A estranha experiência ótica faz com que os amantes reconstruam o mundo, enxergando coisas que ficam escondidas para quem só sabe olhar por uma janela.
Entende-se que o amor assim definido exija tempo. Quanto tempo? Um mês, um ano, uma vida, tanto faz. Consumir-se na paixão pode ser rápido, mas reinventar o mundo a dois é uma tarefa de fôlego.
O amor segundo Badiou, em suma, é uma aventura, mas que precisa ser obstinada: "Abandonar a empreitada ao primeiro obstáculo, à primeira divergência séria ou aos primeiros problemas é uma desfiguração do amor. Um amor verdadeiro é o que triunfa duravelmente, às vezes duramente, dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo lhe propõem".
Contardo Calligaris - Leia o texto na íntegra aqui